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O Corpo, um livro que esquecemos de ler.
12 de novembro de 2021
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Natureza e cultura, instinto e moralidade, sexualidade e realização tornam-se incompatíveis, como resultado da cisão na estrutura humana. A unidade e congruência de cultura e natureza, trabalho e amor, moralidade e sexualidade — desejada desde tempos imemoriais — continuará a ser um sonho enquanto o homem continuar a condenar a exigência biológica da satisfação sexual natural (orgástica). A democracia verdadeira e a liberdade baseadas na consciência e responsabilidade estão também condenadas a permanecer como uma ilusão, até que essa exigência seja satisfeita. Uma sujeição sem remédio às condições sociais caóticas continuará a caracterizar a existência humana. Prevalecerá a destruição da vida pela educação coerciva e pela guerra.

A Função do Orgasmo – Wilhelm Reich

O corpo não é uma imagem do ser, mas a sua própria identidade. O corpo é como um livro que conta a história de vida, ou melhor, ele é um livro que conta uma história que envolve a própria vida e também dos antepassados. Sim!! Dentro da vida há a realidade das gerações anteriores, através do temperamento (herança genética), da intergeracinalidade e da transgeracionalidade. No entanto, as principais páginas e os capítulos que mais influenciam são as que foram escritas a partir da experiência na barriga das mães, na vivência dessa relação única, diferente, impactante e definitiva com os braços e o corpo da mãe ou pela sua falta.

Durante a vida pode-se procurar conhecer livros importantes para a vida religiosa, social, profissional, mas há muita dificuldade em ler o principal: o corpo que somos.

Por que isso acontece?

Os motivos podem ser diversos, segundo a cultura de família, mas eu poderia resumir em três grandes tomos: A cultura da sociedade ocidental; a cultura educacional na família primitiva; a cisão profunda que existe entre mente e corpo.

Vou explicar: Culturalmente, a sociedade ocidental tomou um caminho onde o corpo é um local de pecado, de sofrimento, de luxuria e portanto, precisa ser “domado”, submetido à razão. Ao partir para essa segmentação que aconteceu há alguns séculos, houve uma desidentificação com o corpo, se tornado uma “coisa” que temos que lidar, então, compramos, consumimos para refrear a fome dessa besta que existe em nós, como um animal que tem que ser saciado para não nos atacar. Consideramos sublime a arte a do pensar, do refletir, do estudar, de encher a mente com atividades “edificantes” e o corpo, domesticado é a carruagem do conhecimento, iluminado. De forma alguma considero o conhecimento banal, no entanto, separar, dividir, engavetar, especializar acaba por fazer com que percebamos a vida compartimentalizada. Então, o que “senso” (sentido dos sentidos) no corpo é sempre tido como aberração e precisa ser domesticado com medicamentos, ginástica, religião, etc…

Depois, as famílias, influenciadas por esta cisão cultural ocidental não sabem mais ensinar as crias sobre o que acontece no corpo. Mesmo em situações básicas como o choro de um bebê, uma dor ou uma necessidade ou desejo. As mães, cada dia mais, perdem a capacidade de estar ligadas às suas crias, primeiro pelo cordão umbilical, dentro de si, depois, por um cordão energético, psíquico e posteriormente pela espiritualidade. As mães não se sentem mais donas de suas gravidezes, de suas crias. Precisam de iluminação, precisam de conhecimento, precisam “se formar” uma mãe. Então, a cria cresce tendo que descobrir sozinha o próprio corpo, distante do “sensar”, as vezes cheio de culpa, raiva, tristeza e outras emoções das quais não tem sabe definir ou estão recalcadas. A família dificilmente se vê como um corpo, se vê como um objetivo, uma meta, uma conquista. Então como “sensar” o que acontece nas relações? Como “sensar” o que acontece nos desejos?

Por fim, essa cisão se instala no individuo, que não teve a oportunidade de vivenciar isso na sua relação objetal, primitiva com sua mãe, com a figura paterna, com a família e diante de uma sociedade que culturalmente quer explorar esse corpo para o consumo, separa, provoca uma cisão: O superior mental e o inferior corporal.

Assim, ao olhar para a sociedade atual pergunta-se de como chegamos a esse nível onde pessoas precisam juntar o lixo para se alimentar, pode-se fazer a retrospectiva dessa cisão, partindo de dentro e retroalimentando os motores sociais da injustiça e do poder.

O caminho de volta para casa – corpo não é um caminho fácil. Na maioria das vezes ainda pensamos que este caminho é um algo a se conquistar, adquirir, possuir, refletindo a cisão. Não! O caminho é algo como se tivéssemos que aprender a conexão perdida com nossa mãe e nossos antepassados, por ela. Por resgatar o “sensar”, ou seja, os sentidos que nos ligam ao animal, ao natural, sair do virtual, da fantasia, do corpo cindido, separado. Reaprender sua linguagem: dores, sentidos, emoções e então iniciar um diálogo interno, porque não se estará falando com algo, mas consigo.

Para este retorno vale elementos que nos façam recordar do livro que esquecemos na estante da biblioteca. Seu cheiro de páginas envelhecidas, o toque dos dedos em suas páginas escritas, o gosto no fundo da garganta ao se tocar os dedos na boca para passar as páginas, a respiração enquanto se absorve o conteúdo, a luz e as sombras que formam as figuras que interpretamos e acolhemos. Isso, fala da vida. Isso, fala de como foi experimentada essa vida. Isso, fala das relações mais primitivas. Então, emoções, sentimentos, “sensar” podem ser novamente consultadas no dicionário da árvore genealógica, interpretadas, vivenciadas e por fim “in-corpo-rada”. Quando se mescla a mente e o corpo começa a fazer sentido o aspecto energético e transcendente da vida.

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