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O que é PBC (Psicoterapia Breve Caracteroanalítica)?

Artigo apresentado no 25º Congresso Brasileiro de Psicoterapias Corporais

Estes tempos contemporâneos podem ser classificados, durante a história humana, como de grande influência no distress sofrido pelo indivíduo, sociedade e planeta. Uma forte pressão externa, através dos meios econômicos e sociais para o consumo e a produção de bens ilimitados, a concentração das riquezas e a exploração de sociedades por outras, as grandes aglomerações em cidades cada vez maiores e distantes, a desorganização nas relações familiares com menor presença das mães com seus filhos, são alguns dos fatores que tem contribuído para o aumento dos transtornos mentais e doenças somáticas, bem como da falta de capacidade do indivíduo de se tornar protagonista e autor frente a sua história. Segundo Byung-Chul (2015):

“Nesta sociedade de compulsão, todo mundo carrega em si um campo de trabalho. Este campo de trabalho é definido pelo fato de que somos simultaneamente prisioneiros e guardas, vítimas e agressores. Exploramos a nós mesmos. Isso significa que a exploração é possível mesmo sem dominação.”

Ao mesmo tempo em que a sociedade humana se desorganiza em sua capacidade de gerar e manter a vida pulsante, os indivíduos também se desorganizam em seu funcionamento sócio-psico-corporal-energético. De uma sociedade muito mais neurótica nos tempos de Freud e Reich, hoje, temos um contexto mais limítrofe, onde encontramos os indivíduos com menos compromisso ou maior dificuldade em aderir a processos psicoterapêuticos profundos, onde se busca soluções rápidas e focais para os males que atingem a pessoa. Segundo Bauman (1999)

“A modernidade imediata é “leve”, “líquida”, “fluida” e infinitamente mais dinâmica que a modernidade “sólida” que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana.” 

Neste contexto, a Psicoterapia breve surge como uma resposta mais orgânica para ajudar a pessoa em sua busca de auto-regulação, indo além e mais profundamente que outras técnicas (fármacos, acupuntura, massagens, práticas corporais como Yoga, …).

De acordo com a OMS, cerca de 5,8% da população brasileira sofrem de depressão – um total de 11,5 milhões de casos. O índice é o maior na América Latina e o segundo maior nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos, que registram 5,9% da população com o transtorno e um total de 17,4 milhões de casos.

As buscas individuais e a necessidade da resolução de conflitos internos e intra-pessoais podem exigir dos profissionais de saúde uma flexibilização em sua forma de conduzir os processos psicoterapêuticos, adaptando-se às necessidades da pessoa, com uma relação terapêutica mais ajustada para as necessidades dentro do setting, o que a P.B.C. se enquadra adequadamente.

Sabe-se de abordagens de psicoterapia breve com base psicoanalítica que produziram bons resultados. Não é de hoje que psicanalistas têm procurado desenvolver técnicas que foquem com atenção breve a situações e casos focais, observando sucesso nesse manejo.

Mesmo Wilhelm Reich em sua experiência na Policlínica de Viena aponta para a necessidade e relata alguns casos de trabalhos focais, ressaltando desde aquela época sua preocupação com a situação total do indivíduo, levando-se em consideração suas capacidades financeiras, de disponibilidade de tempo, etc…

Ola Raknes (1971) cita sua experiência com atendimentos breves e focais, utilizando a metodologia da Vegetoterapia de Reich.

“Este ano fiz algumas tentativas com orgonoterapia quando devido a circunstâncias particulares não foi possível propor um tratamento completo, e em que pensei que uma melhora poderia ser obtida no curto espaço de tempo disponível… Esses tratamentos breves duraram de 3 a 4 meses (entre 12h e 15h), até 3 horas.”

No trabalho psicanalítico podemos reconhecer os esforços de Alexander y French (1946) e Sifneos e Davaloo (1992) que propõe análise breve e focais para clientes neuróticos com capacidade de absorver uma relação terapêutica mais breve.

Neste contexto, surge a P.B.C. – Psicoterapia Breve Caracteroanalítica desenvolvida por Xavier Serrano, utilizando de sua experiência com a Vegetoterapia Profunda, sob a supervisão de Frederico Navarro, que juntamente com colegas especialistas da Es.Te.R – Escuela Española de Terapia Reichiana, desenvolvem uma metodologia para o trabalho de Psicoterapia Breve, utilizando como base a Vegetoterapia Caracteroanalítica, de Navarro e adicionando outras técnicas atuais e que possuem alinhamento no processo psicodinâmico.

As indicações para psicoterapia breve

Um tratamento de psicoterapia focal e neste caso de P.B.C. pode favorecer bastante os atendimentos em centros de saúde, hospitais e também em consultórios particulares, haja vista que o objetivo pode ser tanto de um trabalho de atenção em crise, recuperando o estado de falta de consciência, quanto de um processo de maior duração com até 30 sessões. O que não pode se perder é que é um tratamento que possui foco, meta e objetivos bem delineados e definidos entre cliente e terapeuta, através do diagnóstico feito pelo profissional.

Podemos pontuar sua efetividade nos seguintes aspectos:

•           O Aumento da consciência de si ou de sua estrutura egóica

Trabalhando principalmente a análise de seus traços caracterológicos que estão sufocados ou sem potência e aumentando a consciência dos processos, permitindo que o indivíduo perceba melhor sua própria situação.

•           Alívio dos Sintomas psico-somáticos, relativos a processos caracterológicos

Através de actings mais curtos e focados e de uma postura mais ativa do terapeuta, se aliviam os sintomas relacionados às defesas contra a desorganização psíquica.

•           Atenção em Crises

Em momentos onde o indivíduo não se sente capaz de lidar com crises de ansiedade, pânico, angústia ou desorganização de seus núcleos orais e psicóticos, se pode oferecer um ambiente de acolhimento e relaxamento do aperto da couraça.

•           Trabalho de análise de caráter, tomando-se em conta a estrutura

Atuando sobre os segmentos ou traços de caráter mais evidentes, identificados na D.I.D.E. no sentido de trazer consciência ao indivíduo de seu padrão inconsciente de funcionamento.

Com a P.B.C., embora não possamos considerar mudanças estruturais ou profundas, tentamos aliviar o sofrimento psíquico e emocional, o que em muitos casos também implica sofrimento físico. Para isso, flexibilizamos alguns traços de caráter e/ou fortalecemos outros, para que o paciente recupere o “equilíbrio” de sua couraça caracterial. Assim, ele se torna mais capaz de gerenciar suas defesas e seus recursos, tendo em mente algumas de suas necessidades “egóicas” ao mesmo tempo em que permanece mais consciente de suas armadilhas defensivas e da lógica de sua sintomatologia. Isso significa a recuperação de uma certa estabilidade emocional, uma redução da angústia e maior bem-estar vital.

Todas as abordagens breves possuem suas limitações de alcance. Isto se deve como o próprio nome diz ao seu objetivo, ou seja, breve. Tratamentos que demandam mudanças de estruturas ou de flexibilização profunda de traços de caráter não são indicados para o trabalho com a P.B.C. Isto é importante para que a terapia tenha sucesso e alcance os objetivos definidos no diagnóstico.

A metodologia da P.B.C.

A P.B.C tem o foco de trabalho sobre os traços de caráter, no entanto, é importantíssimo reconhecer a Estrutura da pessoa, se é Psicótica ou Mimética, Limítrofe ou Borderline, Neurótica ou Adaptativa. A Estrutura e seus traços de cobertura vão guiar o processo e podem, inclusive, inviabilizar um tratamento breve. Fala-se de traços porque o Caráter puro é como um Arquétipo, na prática, pode-se possuir diversos traços, dependendo dos impactos das relações em nossa infância.

A P.B.C vai focar nestes traços de caráter, por isso, caracteroanalítica. Analisando, compreendendo, flexibilizando ou incentivando traços que podem estar influenciando na situação do indivíduo e que podem produzir a limitação que o mesmo esteja enfrentando ao procurar ajuda.

O trabalho se assenta sobre uma análise caracteroanalítica triangular, onde num ponto atuamos sobre o foco caracterial na realidade atual, ou seja, como os traços de caráter aparecem no dia-a-dia e a influencia sobre a queixa principal e a meta terapêutica.  O segundo ângulo é o foco caracterial dentro da relação terapêutica, analisando todos os movimentos de transferência na relação terapêutica sem permitir que se estabeleça a neurose de transferência; o terceiro ângulo é a investigação histórica dos traços caracteriais, de onde surgiu, como foram estas experiências e flexibilizá-las para a liberação ab-reacional das emoções vinculadas a isto.

Com base na Vegetoterapia Caracteroanalítica, de Frederico Navarro, a P.B.C utiliza “Actings” como técnica corporal de trabalho sobre as couraças, seguindo a referência da técnica analítica da “livre associação”. O paciente em decúbito dorsal, com tempo reduzido de até 8 minutos, trabalhando uma sequência que atende ao objetivo da terapia.

Segundo Xavier (2007):

“Permite desmontar as defesas musculares, facilitando a dinâmica ab-reacionária (expressões emocionais que foram reprimidas, acompanhadas, em algumas ocasiões, por memórias) seguindo um fio condutor, uma ordem que serve como um guia claro e seguro para o profissional e tem um impacto favorável sobre o paciente.

-O paciente reproduz esses actings sequencialmente: geralmente, três actings em cada sessão. O que está unificando segmentos e paralisando processos defensivos reativos;

-A análise sistemática dessas respostas ou resistências reativas defensivas, juntamente com a “análise caracterológica do acting”, ou seja, da forma peculiar pela qual cada pessoa, dependendo de seu traço predominante, realiza esses movimentos.”

Todo o trabalho será definido e seguirá o prognóstico estabelecido nas sessões de diagnóstico, utilizando o sistema de avaliação inicial própria chamado de D.I.D.E. (Diagnóstico Inicial Diferencial Estrutural). Com ele se permite um prognóstico e de forma diferencial (dependendo da Estrutura da pessoa) indicar o enquadre mais adequado à queixa do cliente: profundo ou breve. Executando diversas provas estruturantes, se pretende encontrar:

•           A Predisposição constitucional.

•           O Metabolismo bioenergético

•           As Relações objetais e os traços de caráter.

•           Os Bloqueios musculares e tensões.

•           O Funcionamento neurovegetativo e somático.

•           A Realidade atual, família, trabalho, afetivo-sexual, sintomas clínicos…

Conclusão

Diante de uma sociedade cada vez mais líquida (Bauman, 1999), dentro de uma visão mais integral da pessoa como Wilhelm Reich nos sugeriu, a Psicoterapia Breve Caracteroanalítica é uma abordagem que o Terapeuta de bas Reichiana pode dispor para atuar em atenções em crise ou atuações focais, que podem atenuar o sofrimento humano, diante das mudanças sociais e familiares que enfrentamos nesse mundo contemporâneo.

Referências

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015

BAUMAN, Zygmunt (1999). Modernidade Liquida. Editora Zahar

RAKNES, O. (1971). «El concepto de salud y enfermedad». Rev. E.C.S. Vol. 4-1 y 2. 1986. Valencia

Hortelano, Xavier Serrano – La Psicoterapia  Breve Caracteroanalítica  (P.B.C.) – Biblioteca Nueva – 2007 – tradução livre

OMS – Organização Mundial de Saúde. https://www.who.int/campaigns/world-health-day/2017/en/ Acesso em 30/08/22.