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A urgência por limites
25 de novembro de 2021
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Toda pesquisa se inscreve em um contexto pessoal e se situa em um contexto social que deve agora ser precisado. Os Ideólogos trouxeram para a França e para a Europa, no fim do século XVIII, a idéia de progresso indefinido: do espírito, da ciência, da civilização. Foi por muito tempo uma idéia geradora. Foi preciso mudar. Se eu devesse resumir a situação dos países ocidentais e talvez de toda a humanidade neste final de século XX, eu destacaria a necessidade de colocar limites: à expansão demográfica, à corrida aos armamentos, às explosões nucleares, à aceleração da história, ao crescimento econômico, a um insaciável consumo, ao crescente distanciamento entre os países ricos e o terceiro mundo, ao gigantismo dos projetos científicos e dos empreendimentos econômicos, à invasão da esfera privada pelos meios de comunicação de massa, à obrigação de continuadamente bater os recordes à custa de um super-treinamento, do doping, à ambição de ir cada vez mais depressa, mais longe, cada vez mais caro à custa das aglomerações, da tensão nervosa, das doenças cárdio-vasculares, do desprazer de viver. De colocar limites também à violência exercida.

Para me restringir a um domínio que não me diz respeito apenas como simples cidadão mas do qual faço a experiência profissional qua se quotidiana, a mudança na natureza do sofrimento dos pacientes que procuram uma psicanálise é significativa nestes trinta anos em que exerço esta terapêutica e tem sido confirmada por meus colegas. No tempo de Freud e das duas primeiras gerações de seus continuados, os psicanalistas se ocupavam de neuroses caracterizadas, histéricas, obsessivas, fóbicas ou mistas. Hoje, mais da metade da clientela psicanalítica é constituída pelo que se chama estados limite c/ou personalidades narcísicas.

Etimologicamente, trata-se de estados no limite da neurose e da psicose e que reúnem traços destas duas categorias tradicionais. Na verdade, estes doentes sofrem de uma falta de limites: incertezas sobre as fronteiras entre o Eu psíquico e o Eu corporal, entre o Eu realidade e o Eu ideal, entre o que depende do Self e o que depende do outro, bruscas flutuações destas fronteiras, acompanhadas de quedas na depressão, indiferenciação das zonas erógenas, confusão das experiências agradáveis e dolorosas, não distinção pulsional que faz sentir a emergência de uma pulsão como violência e não como desejo, vulnerabilidade à ferida narcísica devido à fraqueza ou às falhas do envelope psíquico, sensação difusa de mal-estar, sentimento de não habitar sua vida, de ver de fora funcionar seu corpo e seu pensamento, de ser o espectador de alguma coisa que é e que não é sua própria existência.

Assim, uma tarefa urgente, psicológica e socialmente, parece ser a de reconstruir limites, refazer fronteiras, reconhecer territórios habitáveis e onde se possa viver – limites, fronteiras que ao mesmo tempo instituam diferenças e permitam mudanças entre as regiões (do psiquismo, do saber, da sociedade, da humanidade) assim delimitadas.

Didier Anzieu – O Eu Pele

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