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Aprendemos pelo afeto materno
24 de julho de 2020
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René Spitz sugeriu a necessidade de se estudar a criança diretamente, para seu melhor entendimento, o que logicamente implicava no abandono de estudos que faziam a extensão do desenvolvimento adulto. Para ele o recém-nascido não apresenta atividade psíquica. A percepção dos afetos é global e só aos poucos o bebê aprende a descriminar os vários afetos nos outros.

O ser humano nasce totalmente desamparado.

Spitz

O nascimento torna a criança uma entidade física separada, e para tornar-se psicológica e socialmente distinta é necessário algo mais além de tempo. As respostas do bebê inicialmente são gerais. Não existe uma relação direta estímulo x resposta, e qualquer parte de seu corpo pode responder. As respostas são ao acaso, não dirigidas.

O bebê não é comparável ao adulto. Sua fisiologia é diferente, bem como suas sensações, suas reações físico-químicas, sua maneira de vivenciar no ambiente que o cerca. (SPITZ, 1979). Ao recém-nascido faltam a percepção, a consciência e as demais funções psicológicas. Apresenta dois estados diferentes percussores de afeto: quietude e desprazer. Vamos analisar uma situação comum.

A secura da mucosa oral, particularmente sensível nesse momento, constitui um dos principais rompimentos dessa quietude. As glândulas salivares, ainda pouco desenvolvidas, não conseguem recompor a umidade natural oral que a criança se acostumou no ambiente aquoso no qual ficou até seu nascimento.

• Fatores Determinantes
O ser humano nasce totalmente desamparado. Ele é incapaz de sobreviver por si só, dependendo, pois, inteiramente de outra pessoa (SPITZ, 1960).

As trocas e interações com o outro levam às novas experiências e aquisição de novas habilidades. Levam também ao estabelecimento de limites das próprias capacidades, ajudando a criança a desenvolver seus próprios mecanismos de defesa, iniciando-a em seu funcionamento enquanto ser social. A relação mãe-filho encontra-se igualmente na raiz da linguagem e comunicação da criança.

• Estágios do Desenvolvimento:
Spitz descobriu que no processo de estabelecimento das relações objetais a criança passa por três estágios: pré-objetal; objeto precursor, objeto real. O bebê não somente aumenta ou diversifica suas respostas, ele confere ao objeto um novo significado na medida do seu desenvolvimento.

• 1º Estágio – Pré-Objetal
Idade: até 3 meses: Inicia-se com o nascimento e termina em torno do 3º mês. A interação da criança com o ambiente externo é fisiológica; não existe vontade ou qualquer representação psíquica ou consciência. A criança não se distingue do meio, ou seja, não existe um objeto. Ela recebe os estímulos externos, e devido ao seu mecanismo de proteção interna, e nem os percebe.

O rosto humano é o primeiro sinal de memória do bebê

A única região que opera nesse momento é a cavidade oral, a boca. Tanto servindo para alimentação, necessidade fisiológica mais básica, quanto precursora dos futuros cinco sentidos: olfato, paladar, visão, audição e tato. A cavidade oral funciona, assim, como um ponto intermediário entre a percepção interna e externa.

A amamentação é um momento especial para o bebê, pois as experiências da pele, mensagens ao ouvido unem-se à cavidade oral, transformando-o num imenso prazer para mãe-filho.

O rosto humano estabelece-se, assim, como o primeiro sinal de memória do bebê, pois é o que mais a criança vê em uma situação que mobiliza afeto. Nenhum outro objeto é foco de atenção da criança neste período e/ou capaz de provocar a resposta ao sorriso. As emoções primárias, fome, sede, prazer e desprazer, são precursores do afeto. O sorriso surge apenas à figura humana, não acontecendo para objetos.

A criança que sorri mostra-se capaz de experimentar uma emoção positiva, distingui-la e expressá-la. O sorriso aqui indica a maturidade emocional da criança – é significativo dentro da evolução da criança e denota pura recepção. A ausência de sorriso não se liga ao desenvolvimento, mas, sobretudo ao grau de envolvimento emocional da criança.

Em algumas crianças hospitalizadas, Spitz não encontrou o sorriso. Pelo contrário, elas, após observarem o adulto por alguns minutos, viram para o lado, tornando impossível contato emocional. Nada parecia lhes interessar; comum em crianças enclausuradas por muito tempo em camas de hospital, tratamentos longos e difíceis.

2º Estágio – Precursor do Objeto
Idade: 3 aos 8 meses: O surgimento do tônus muscular leva à sustentação da cabeça e do tronco, e posteriormente, a criança consegue manter-se sentada e com capacidade de pegar e largar objetos voluntariamente.

O bebê de quatro meses pode ser visto tocando a boca, os dedos, até mesmo junto com a mamadeira, observando seus dedos no momento de preensão. Em torno do 6º mês, muitas vezes é visto tocando os próprios pés, interessando-se pelos membros inferiores.

A relação com a mãe é especial, sendo que a criança mostra desconforto quando abandonada pela mãe, o que ainda não acontece quando é privada de algum brinquedo. Surge a reação de medo entre o 4º e 6º mês aproximadamente, dirigido a um objeto, pessoa ou coisa, com a qual a criança teve uma experiência negativa.

É comum a criança chorar ao entrar em consultório médico, mais ainda no consultório odontológico. Mas é passageira, basta que a criança veja a mãe para que a angústia suma. Quando um estranho se aproxima, basta que ele se vire de costas para que o medo da criança seja superado. No entanto, principalmente durante as consultas médicas e odontológicas, quem deve entender primeiro essa questão do medo é a mãe, que servirá de apoio e reforço positivo para a criança.

A manifestação de desconforto passa a ser através do choro, tampar o rosto e virar a cabeça. As relações da criança tornam-se mais complexas, inicia-se a compreensão de ordens, proibições, de gestos sociais como dar adeus e dar a mão.

As crianças e pais imitam-se alternadamente ou ao mesmo tempo. As imitações dos pais são como exemplo: estalar a língua, bater palminhas, falar igual ao bebê. Isso muito contribui para o desenvolvimento da criança. Os pais são os veículos transmissores de cultura para a educação de seus filhos, sendo importantes as imitações que aproximam do nível de entendimento da criança. A relação calorosa interfere positivamente na tentativa da criança de ser como o modelo oferecido.

• 3º Estágio – Objeto Real
Idade: 8 a 12 meses: Tem início quando a criança prefere a mãe, apresentando sinais visíveis de ansiedade diante de um estranho. Criança e mãe comunicam-se cada vez mais de forma direcionada e os gestos da mãe passam a ter significado para a criança e vice-versa. O primeiro desse sinal é o balançar de cabeça indicativa de “não”. A partir do 8º mês, mais ou menos, se a mãe interrompe a atividade da criança dizendo “não” e balançando a cabeça, a criança para a atividade evidenciando o entendimento do sinal.

A partir daí surge a linguagem na vida da criança. No início composta de palavras incompletas, até aproximadamente 18 meses. Em regra sua linguagem expressa suas necessidades e representa um pedido de ajuda. Só mais tarde inicia-se a comunicação com ajuda de símbolos verbais. Quando o bebê pronuncia “mamã”, isto pode significar muitas coisas e até frases, como: “estou com fome”; “quero água”; “tire-me daqui”.

O gesto “não” interfere diretamente nas relações objetais, nas relações da criança com o meio. Inicia-se a chamada fase da teimosia. A mãe que até então funcionava como o ego externo da criança decidindo sobre os passeios, o local de ir, a alimentação, o que pegar, vê-se obrigada a repreender e impedir uma série de atividades. O acontecimento mais marcante dessa fase é que a criança agora sabe usar o “não” para decidir sobre o quer e o que não quer.

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