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A respiração circular e suas aplicações terapêuticas
24 de junho de 2019
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RESUMO: A respiração é uma atitude genuína do organismo, que deveria seguir o ritmo e o fluxo da vida, sem interrupções. No entanto, desenvolvemos mecanismos para inibir e bloquear para não encarar a dor psíquica. No desbloqueio da respiração está a volta à saúde. Além disto, a respiração pode ser usada como técnica terapêutica para o relaxamento ou na abordagem do inconsciente através da respiração circular ou holotrópica.

A Respiração na abordagem Reichiana

Respirar deveria ser o ato mais genuíno e liberado no processo individual, uma vez que está intimamente ligado à sobrevivência e à vida. A consciência da respiração traz inúmeros benefícios somáticos, que a medicina e a ciência biológica nos explicam, no entanto, na abordagem Reichiana percebemos mais do que isto, os benefícios emocionais e energéticos. A respiração consciente nos coloca em contato com as emoções, nos dá a capacidade de organizar nosso mundo psíquico e melhora nossa condição energética, na livre circulação do Orgone pelo sistema.

Segundo Lowen, “A produção de energia através da respiração e do metabolismo, e a descarga de energia no movimento, são as funções básicas da vida”. Lowen, 1985

Wilhelm Reich percebeu em todo o decorrer de seu trabalho como médico, analista e cientista que o controle da respiração, na verdade, era um mecanismo aprendido de controle das emoções ou das dores e sofrimento psíquico. Ele formulou o conceito de Couraças Musculares, demonstrando como o ser humano, desde sua primeira respiração, aprendia a segurar a respiração, como método de controle das emoções, para que a dor psíquica não invalidasse sua experiência de vida. Sendo assim, todos aprendemos a reter a respiração diante do fluxo emocional e energético. Reich demonstrou em sua pesquisa que este controle respiratório causa inúmeras disfunções emocionais e somáticas com o decorrer do tempo:

Todos os nossos pacientes contam que atravessaram períodos na infância nos quais, por meio de certos artifícios sobre o comportamento vegetativo (prender a respiração, aumentar a pressão dos músculos abdominais, etc.) haviam aprendido a anular os seus impulsos de ódio, de angústia ou de amor.

(Reich, 1975)

Para restabelecer a saúde ele propunha que se desbloqueasse as couraças musculares, através dos processos terapêuticos para que se retomasse a respiração profunda e a livre circulação energética por todo o corpo.

Para além de Reich, percebemos em todos os autores Neo-Reichianos e pós-reichianos a importância da respiração para o equilíbrio de todo o sistema da pessoa, com inúmeras formas de atuação sobre o corpo para isto.

A respiração como ferramenta de desbloqueio de trauma

A respiração também pode ser usada como uma poderosa ferramenta de liberação dos conteúdos emocionais recalcados ou reprimidos em função dos traumas nas estruturas cerebrais límbica ou reptiliana.

O trauma é uma experiência dolorosa ou profundamente marcante, que fica registrada nos Cérebros Límbico e no R-Complex. Isto muitas vezes torna seu acesso completamente impossível apenas pela elaboração cognitiva de suas consequências ou manifestação na vida cotidiana. Para a liberação dos conteúdos e das energias retidas naquelas estruturas precisamos de ferramentas que possam acessar. Evidentemente, que a linguagem das estruturas cerebrais é diferente pela sua própria natureza, ou seja, as revelações do límbico ou do R-complex não vem através do pensamento cognitivo estruturado, mas são revelados pelo corpo. Levine (Levine, 1999) sugere uma linguagem comum entre os animais guiada pelo R-Complex e distribuída pelo SNC (Sistema Nervoso Central), que envolve a liberação energética residual do trauma, como se a experiência traumatizante estivesse presa numa gaiola corporal, num ciclo repetitivo, onde vemos os sintomas e não as consequências.

As diversas terapias Corporais reichianas tendem a ir ao encontro destes conteúdos e dos traumas armazenados nestas estruturas, tais como a Vegetoterapia Caractero-analítica ou a biodinâmica, entre outras.

Neste contexto, encontramos a respiração circular (trataremos respiração holotrópica® como sinônimo, neste artigo) como instrumento e ferramenta de acesso aos conteúdos emocionais e energéticos engaiolados em nossas estruturas cerebrais mais antigas.

Estados alterados de consciência

Stanislav Grof, nascido em 1931, em Praga, médico psiquiatra de formação psicanalítica, iniciou em 1956 na Tchecoslováquia, no Instituto de Pesquisas Psiquiátricas em Praga, pesquisas sobre o uso clínico de drogas psicoativas, explorando o potencial terapêutico do LSD e de outras substâncias psicodélicas e outros métodos para alcançar os traumas e limitações mais profundas na estrutura psíquica e somática da pessoa. Na década de 70 ele foca a sua pesquisa usando a respiração circular, denominada por ele de Holotrópica, como substituta natural para alcançar os efeitos no uso de psicoativos.

O termo estados alterados de consciência foi definido por Ludwig em 1966. Estado alterado de consciência é um estado mental induzido por agentes farmacológicos, fisiológicos ou psicológicos que deriva de um estado normal de consciência. (Kallio, & Sikka, 2009)

Estados alterados de consciência (EAC) ou estados não ordinários de consciência (ENOC) (em inglês, altered states of consciousness) são estados de consciência diferentes do estado normal de vigília. O termo foi cunhado por Arnold M. Ludwigem 1966 e popularizado por Charles Tart em 1969, para descrever mudanças quase sempre temporárias nos estados de consciência dos indivíduos.

(wikipedia, 2019)

Os estados alterados de consciência não são uma novidade no mundo do conhecimento. São utilizados há muitos séculos nas culturas orientais e nativas para acesso ao mundo espiritual, que Grof vai chamar de Matrizes Perinatais Básicas (MPB), que são fenômenos ligados ao processo de nascimento marcantes na experiência de construção das inteligências do R-Complex e do Límbico, tendo, portanto, uma linguagem diferente e marcante.

A busca por estes estados alterados de consciência é a marca do uso da respiração circular dentro do contexto terapêutico. Seja para acessar conteúdos emocionais bloqueados ou para a cura energética de segmentos do SNC.

A respiração circular (holotrópica)

No renascimento é utilizada a técnica da Respiração Holotrópica ou Respiração Circular, que consiste basicamente em ampliar o movimento da respiração o máximo que puder por um período prolongado. A intensificação voluntária do ritmo respiratório para além da demanda metabólica provoca, geralmente, uma série de reações. As duas mais comuns são manifestações emocionais intensas e uma variedade de sintomas físicos.

O tipo de respiração utilizado na etapa inicial do Renascimento (aumentando o ritmo respiratório) leva a uma eliminação rápida de grandes quantidades de dióxido de carbono, provocando uma queda nos níveis da pressão arterial de CO2 e, assim, a uma alcalose respiratória (aumento do pH sanguíneo).

Esta combinação pode provocar tanto uma vasoconstrição em determinados leitos vasculares quanto uma hiperexcitabilidade neuronal que parece ser responsável por sintomas envolvendo a maioria dos sistemas corporais. Aliado a este estreitamento dos vasos, a hemoglobina fica mais “agarrada” ao oxigênio e por isso, não apenas o sangue alcança menos áreas do corpo, como o oxigênio carregado pelo sangue também é menos liberado para os tecidos.

Paradoxalmente, então, enquanto que uma respiração aumentada significa que mais oxigênio está sendo levado para dentro do organismo, menos oxigênio alcança certas áreas de nosso cérebro e do corpo.

A diminuição do nível sanguíneo de CO2 induzida pela respiração holotrópica tem um efeito imediato sobre a circulação cerebral. O dióxido de carbono é o mais importante regulador do tônus cerebral vascular. O resultado final é que há menos sangue no cérebro, menos oxigênio, e este é liberado mais lentamente.

Analisando o potencial terapêutico inerente à técnica de renascimento, observa-se que estando os controles corticais temporariamente inibidos pela redução da disponibilidade de oxigênio e as estruturas subcorticais liberadas, e ativadas, processos emocionais incompletos são ativados durante o processo e tendem a se completar autonomamente. Dito de outra forma, a pessoa vive o que precisa viver para se equilibrar, experimentando sentimentos que estavam bloqueados (bem como as memórias a eles associadas), de acordo com sua psicodinâmica específica, e os integra à consciência.

Os materiais que chegam, então ao nível consciente vem com a linguagem própria das estruturas acessadas, ou seja, como sensações corporais, como emoções ou ainda com manifestações semelhantes aos sonhos. O terapeuta pode ser este apoio, ajudando o indivíduo a aceitar, acolher e manifestar livremente as manifestações, uma vez que entrar em contato com este conteúdo pode ser assustador ou doloroso. O terapeuta, trabalhando transferencialmente a posição de uma “boa mãe” oferece este “bom útero” para que o cliente se sinta acolhido e livre.

Posteriormente, é de boa prática o terapeuta incentivar e ajudar o cliente na análise dos conteúdos, utilizando de técnicas de análise para elucidar ao cognitivo e ajudar no processo de acolhimento e integração dos conteúdos ao cotidiano.

Conclusão

A terapia do renascimento pode ser utilizada dentro do contexto terapêutico como um instrumento de acesso a conteúdos bloqueados à consciência ou ao cognitivo. Dentro do contexto do trabalho Reichiano, pós ou neo é mais uma técnica à disposição do terapeuta, que na investigação e diagnóstico percebe os níveis das couraças a serem trabalhadas. Ao unir o olhar clínico ao corpo do cliente com a terapia do renascimento pode-se ter um valioso instrumento de acesso a conteúdos que inviabilizam a saúde psíquica e corporal. Nada substitui o contato e o amor dentro do setting terapeuta, mas o olhar atento e acolhedor pode fazer a diferença numa terapia de abordagem ao inconsciente.

Referências

  • LEVINE, Peter A. – O despertar do tigre: curando o trauma. São Paulo: Summus, 1999.
  • UNMANI, Ma Prem; NISHKAM, Sw. Bodhi – Rebirthing: O novo yoga. São Paulo: Pensamento, 2001
  • GROF, Stanislav – A Mente Holotropica, São Paulo: Rocco, 1994.
  • Gaiarsa, José Angelo – Respiração, angústia e renascimento, São Paulo, Ágora, 2001.
  • Lowen, Alexander – Exercicios de Bioenergetica – São Paulo, Ágora, 1977.
  • Reich, Wilhelm – A Função do Orgasmo, São Paulo, Editora Brasiliense, 1975.
  • Sakari & Sikka, Pilleriin. (2009). What is an altered state of consciousness?. Philosophical Psychology. 22. 187-204. 10.1080/09515080902802850.
  • Estados Alterados de Consciência. Wikipedia, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_alterados_de_consciência>. Acesso em: 04/04/2019.
  • Medes, Livia. Aspectos Biológicos da Respiração, Ceará, IESH, 2019

Artigo desenvolvido por Elias Júnior Minasi e Luzia Rezende da Silva e apresentado em Laboratório no 24º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2019. [ISBN – 978-85-69218-04-3]. Disponível em: http://centroreichiano.com.br/anais-dos-congressos-de-psicologia/