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Transformando o ciúme em amor
27 de junho de 2021
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Muitos de nós já sentimos a pontada de ciúme. Mas uma coisa é ter uma reação emocional momentânea e outra é ser vítima da desconfiança, do sentimento de abandono ou de impulsos violentos. Fortalecer a comunicação e a tolerância é o primeiro passo para superar essa situação, embora às vezes possamos precisar de ajuda externa.

Dizem que a deusa grega Hera descobriu que seu marido Zeus havia engravidado Leto – deusa da noite – e decidiu se vingar dela por toda a eternidade, o que teve repercussões não só entre as duas divindades, mas em todo o Olimpo. Hera estava com ciúmes: ela estava queimando por dentro, ela estava furiosa. Porque é isso que esta palavra significa: deriva do latim zelus (ardor, zelo), que por sua vez vem do grego zein (ferver).

Para a maioria dos mortais, suspeitar que o ente querido está transferindo seu amor e desejo para outra pessoa é uma experiência complexa que pode ser expressa de três maneiras diferentes com diferentes graus de severidade: o ciúme como um sinal de amor, o ciúme como um sinal de neurose e ciúme como “Síndrome de Otelo” ou delírios psicóticos. Vejamos…

O ciúme como sinal de amor é, em princípio, uma reação emocional genuína e “funcional”, que podemos considerar saudável, pois é a prova de que alguém realmente nos interessa. Como disse o analista junguiano Aldo Carotenuto, o ciúme “pode ​​ser um sentimento imutavelmente ligado ao amor que os amantes não devem ignorar”.

A desconfiança no amor pode levar ao ciúme neurótico. Nessas ocasiões, adquire uma dimensão obsessiva e perturbadora, capaz de induzir estados emocionais que dilaceram a alma e perturbam o corpo, associada a uma atitude possessiva, reflexo da cultura machista do nosso sistema social e educacional. Assim, em uma relação em que prevalecem a desconfiança e a falta de cumplicidade, detalhes minuciosos como trocar de roupa para ir a uma reunião, demorar para abrir a porta ou atender o telefone às pressas são percebidos como indícios de engano, o que provoca uma atmosfera denso e sufocante em que o perigo e a ameaça ocupam o centro das atenções.

Ana e Felipe, dois de meus pacientes, são um exemplo desse ciúme neurótico: solicitaram uma psicoterapia de casal quando, depois de dois anos de feliz convivência, se viram envolvidos em discussões contínuas devido à incerteza produzida por alguns dos comportamentos do outro, e culpando por atitudes erradas em seu comportamento com terceiros, especialmente quando eles estavam com seu grupo de amigos

Durante as sessões, perceberam que não eram condizentes com seu pensamento liberal, mas que estavam cheios de preconceitos e medos, fruto de suas respectivas experiências familiares, bem como do tipo de educação recebida, e que não eram as pessoas seguras que eles queriam. Supondo que isso lhes permitisse silenciar suas fantasias, intensificar a comunicação e a abordagem afetiva e sexual, sentir-se mais próximos e flexíveis e reafirmar o amor que ainda sentiam um pelo outro.

O Ciúme Delirante é a expressão mais exorbitante do ciúme, quando é tingido de forte e insuportável sentimento de abandono e traição que dá origem a estados perceptivos delirantes, muitas vezes associados a crises psicóticas, ou a personalidades psicopáticas que se traduzem em manifestações extremas, violentas e destrutivas, que o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers definiu já em 1910 como “ciúme-patia” ou “ciúmes delirintes”.

Nesses casos extremos, a desconfiança se instala no casal sem motivo aparente, a tal ponto que qualquer ação do outro ratifica a suspeita do ciúme. Essa confirmação até o leva a ouvir vozes que o exortam à vingança e o fazem fantasiar sobre como realizá-la.

O sofrimento emocional é enorme, tanto para quem vivencia esse estado alterado de consciência – porque por um tempo tem consciência de sua fantasia, cujos impulsos destrutivos não consegue neutralizar – quanto para quem sofre as consequências, confundido entre surpresa e o mal-entendido mais absoluto. Nestes casos, é gerado um quadro trágico, que costuma fazer parte do que hoje se costuma chamar em nosso país como “violência de gênero”.

Luis mergulhou naquele estado infernal um ano depois de morar com Paula. Um dia, ele percebeu um cheiro nela que ele associou a um perfume masculino. A seguir, passou a ter sonhos repetitivos e angustiados em que mantinha relações sexuais com outros homens, ou com mulheres, bem como imagens cada vez mais mórbidas que invadiam sua consciência, impedindo-o de se concentrar em outra coisa que não as incursões e orgias sexuais de Paula. Essa dinâmica foi se tornando cada vez mais forte, embora não o impedisse de ter consciência de seu constrangimento: sentia-se estranho consigo mesmo e com medo de “enlouquecer”.

Em casos extremos, o ciúme é tingido de uma sensação insuportável de traição e abandono

Não se atreveu a dizer nada ao companheiro, porque se considerava uma pessoa aberta e sensível, e porque uma parte dele sabia que isso não era verdade e pensava que poderia superá-lo sem ajuda. Mas sua preocupação cresceu quando sentiu que estava perdendo o controle: “as reações de raiva contra Paula começaram a me invadir. Ele tinha impulsos violentos. Um dia eu me peguei insultando-a e prestes a bater nela por um disparate doméstico. “Através da mediação de seu amigo Alberto, ele veio ao meu consultório e iniciamos uma intervenção em crise combinando sessões individuais e de casal com um acompanhamento psicofarmacológico pontual para neutralizar tanto o delirante emergente (a crise psicótica) quanto o psicopático. O quadro foi encerrado em poucos meses, em grande parte graças à colaboração implícita de ambos e ao apoio de seu amigo alberto.

Luís pôde compreender que sua crise fora influenciada tanto por situações atuais quanto por algumas vivências da infância que convergiam em determinado momento, rompendo sua couraça ou sistema defensivo psicossomático: seus problemas financeiros, a morte de sua mãe, as dificuldades de sua companheira para conceber, seu próprio nascimento prematuro e o tempo que ele ficou na incubadora sem mamar no peito
mãe, bem como a sua entrada precoce no jardim de infância e os episódios de violência escolar que vivenciou. E Paula, sua companheira, também pôde se beneficiar dessa vivência, pois acompanhar o marido em seu regresso das sombras em que estava imerso permitiu que ela o entendesse melhor, confirmasse o amor que sentia por ele e visse, ao mesmo tempo tempo, algo de seu próprio lado sombrio, que o ajudou a consolidar seu relacionamento como casal.

Vemos, portanto, que existem diferenças consideráveis ​​na forma de viver o ciúme, fundamentalmente associadas às diferentes estruturas de personalidade de cada um. E também que, às vezes, a vontade e as posturas racionais não bastam. Mas ainda é verdade que, na maioria dos casos, podemos administrar esses impulsos viscerais criando relacionamentos de casal baseados na tolerância, cumplicidade, comunicação direta e confiança, e promovendo espaços familiares e educacionais que cobrem as necessidades emocionais, sexuais, lúdicas e criativas de crianças, onde o trabalho em equipe e o apoio mútuo são incentivados.

Como lidar com o ciúme

Administrar as ideias, impulsos e medos que caracterizam o ciúme é um desafio pessoal e de casal. vai ajudar:

Aceitar que isso pode acontecer

Tolerância, respeito, cumplicidade e diálogo devem ser os principais atributos da relação do casal, aspectos que devem ser promovidos. Porém, não se deve esquecer que o ciúme é um estado emocional e, portanto, pode surgir em algum momento da convivência.

Manter a calma

Inicialmente, você deve duvidar do ciúme, não do seu parceiro. Por isso, convém enfrentá-los com calma, evitando tirar conclusões racionais antes do confronto e do diálogo, sabendo que o ciúme nem sempre pode ser controlado apenas pela vontade.

Falar com sinceridade

É imprescindível revelar as dúvidas e inquietações à outra pessoa à medida que vão surgindo e ouvi-las, se for o caso, sem preconceito e com carinho.

Procurar ajuda externa

Quando o ciúme causa um conflito que o casal não consegue resolver, consultar um especialista pode ser a solução.

Previnir desde a infância

Situações extremas devido ao ciúme virulento na idade adulta, e a possível destrutividade que geram, podem ser evitadas se um vínculo amoroso com o bebê for facilitado durante os primeiros dois anos de vida que cubra suas necessidades afetivas sexuais primárias.

Autor: Xavier Serrano
https://www.xavierserranohortelano.com/
Psicólogo, sexólogo e psicoterapeuta Caracteroanalítico. Diretor da Escola Espanhola de Terapia Reichiana.

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