Por Xavier Serrano Hortelano
A realidade pandêmica que estamos experimentando durante estes meses, independente das interpretações, é uma catástrofe internacional que trará consequências gravíssimas, em todos os níveis, como advertem alguns especialistas, que podem ser similares àquelas sofridas por uma guerra mundial.
As crises, tanto pessoais como sociais, assim como em qualquer catástrofe, chegam de surpresa. Por isso, em grande medida, estamos agora vivendo uma espécie de experiência onírica. Muitas das pessoas a quem atendo me dizem: “É como se estivesse em um sonho, ante o qual não consigo reagir”. Nossa percepção agora sofre uma certa alteração da consciência, porque a realidade social e cotidiana é, em grande medida, desconhecida. De modo que sofremos mudanças nos ritmos vitais, alterações no sono, sensações estranhas e uma vivência diferente da passagem do tempo.
“É como se estivesse em um sonho, ante o qual não consigo reagir”.
E este sonho não é agradável, se assemelha mais a um pesadelo, onde nos encontramos com a vulnerabilidade e a morte, que são o que costumam acompanhar qualquer catástrofe. As pandemias, diferentes do resto, são catástrofes lentas, onde o estado de alarme, a tendência ao caos e ao pânico, vão mostrando-se e aumentando progressivamente.
Outros especialistas e enfoques psicológicos que também abordam e estudam o fenômeno do medo, como os sistêmicos, os cognitivistas ou os construtivistas, propõem que estas situações estimulam a criatividade, a emergência de valores tais quais a solidariedade e conduzem à busca por soluções. Em minha opinião, esta descrição pode ser atribuída à reação instintiva que é produzida na natureza, em geral, e nos mamíferos, em particular, mas, em muitas ocasiões, não é a que observamos no mamífero humano. No nosso caso, fomos perdendo o contato com o funcionamento instintivo, e somos movidos mais por padrões de conduta social estereotipada, governados pelo predomínio e especialização da razão, do pensamento cortical, devido, fundamentalmente à influência dada sociedade patriarcal na qual temos vivido durante séculos, que tem menosprezado o mundo do instintivo, dos afetos, da ternura, da sexualidade, das relações humanizadas, em pró de alcançar objetivos, da eficácia e da supremacia fálica do poder, o qual se reflete nas relações não saudáveis que se mantém nos ecossistemas essenciais (família e escola), muito distantes daqueles que permitem estabelecer atmosferas ecológicas, próximas do funcionamento natural do Vivo. Portanto, é preciso ter claro que se o medo conduz os mamíferos a uma solução, no ser humano, costuma levá-lo a uma encruzilhada.
Visto que é certo que, a nível conductual e de resposta social estamos longe de produzir respostas instintivas auto organizadas ou autopoiéticas-, segundo a definição de Humberto Maturana-, a nível biológico sim somos capazes de tê-las pois, ainda que, nas pandemias sofridas pelo ser humano ao longo da história muitas pessoas tenham falecido, nossa espécie logrou sobreviver. Podemos compreender melhor tal fato aplicando também a teoria da Ressonância Mórfica de Sheldrake, segundo a qual a espécie humana, como o resto das espécies, acumula o legado das respostas de sobrevivência de séculos, no terreno biológico. Cada vez que surge uma variável molecular, frente a qual a espécie não está acostumada, existe um período de vulnerabilidade onde ocorrem falecimentos, até que chega o período de auto organização imunitária, sem que tenham, necessariamente, existido vacinas ou soluções médicas prévias específicas.
É preciso ter claro que se o medo conduz os mamíferos a uma solução, no ser humano, costuma levá-lo a uma encruzilhada.
Neste sentido, recordo a frase de Daniel Defoe, em seu livro O ano da peste onde, em sua descrição romantizada de uma das pandemias históricas, relata: “A sociedade ficou perplexa quando perceberam que, se repente, sem nenhum medicamento novo, sem nenhuma intervenção diferente, as pessoas não apenas deixavam de morrer, senão que, também recuperavam-se e curavam-se. Nem sequer os médicos o pudessem explicar, porque era um feito Divino. Deus nos castigou e Deus agora nos perdoa”. Como não era possível existir outra explicação possível em meados do século XIX, tanto Defoe como a maioria o atribuíram a uma ação divina. O que é certo, em todas as pandemias, é que elas duram seu tempo. Hoje estamos melhor preparados, não apenas por alguns avanços médicos, como também porque os seres humanos estão melhor imunizados, como espécie, do que há séculos passados. Exceto em tribos isoladas, com pouco contato com a civilização, que são especialmente vulneráveis e poderão desaparecer se não forem tomadas medidas adequadas, coisa que já pode estar ocorrendo em lugares como a Amazônia, com a consequente tragédia e genocídio humano.
Podemos considerar a crise atual como uma catástrofe internacional, com uma base biológica, que durará um tempo e causará mortes. Os falecimentos dependerão, por sua vez, de duas variáveis:
- A primeira, consequência da mutação biológica, fruto de uma natureza agredida a nível mundial, de uma Gaia maltratada por nossas ações destrutivas, que continuarão a gerar catástrofes geofísicas e biológicas. Talvez por isso o século XXI será o século das catástrofes “naturais”, enquanto o século XX foi o das bélicas.
- A segunda, pela maior ou menor força biológica e psicossomática de cada pessoa, consequência tanto de sua predisposição congênita, como do distress sofrido ao longo de sua história pessoal, especialmente durante os primeiros anos de vida.
Ambas coisas poderiam ser paliadas, erradicando fatores de risco de todo tipo no primeiro caso, e utilizando medidas preventivas nos ecossistemas essenciais (famílias, escolas, organizações…) como as que se plasmam no projeto que denominei em seu momento de Ecologia dos Sistemas Humanos.
Na presente ocasião, não irei valorar as decisões tomadas pelos governos frente à crise, mas sim valorarei as suas consequências. A imobilidade e o confinamento durante meses levará a uma recessão da economia e um sofrimento emocional e infraestrutural muito grande para milhões de pessoas, com consequências não apenas sociais e econômicas, como também psicossomáticas, que irão ocasionar condutas defensivas e patológicas. Nos encontraremos com reações muito distantes do funcionamento instintivo e natural como espécie que descrevi acima, e darão-se respostas baseadas no predomínio das, assim nomeadas por Wilhelm Reich, “pulsões secundárias culturais”, como o egoísmo, o individualismo, o sadismo, etc.
Tais pulsões tomam forma através de nosso Caráter, termo que este mesmo autor descreve como a couraça do ego. Ou seja, a soma de mecanismos de defesa organizados ao longo do nosso processo maturativo, em forma de traços de conduta rígidos, que formam parte de nossa personalidade. Entre eles, observamos traços compulsivos, fálicos, masoquistas ou histéricos.
“É preciso aprender a navegar em um oceano de incerteza, através de arquipélagos de certezas”
Desta forma, durante o tempo do confinamento, irão tomando força tais atitudes caracteriais para fazer frente à crise e, no entanto, com o tempo tais atitudes podem ir desmoronando, dando lugar a reações mais profundas, consequência da Estrutura do caráter, ou seja, do padrão de organização essencial de cada pessoa:
- Reações impulsivas ou dissociativas, no caso da Estrutura Fronteiriça
- Cindidas pelo pânico, ou paranóicas-conspirativas-delirantes, no caso da Estrutura Psicótica
- Adaptativas, porém vivendo conflitos pessoais ou relacionais mais ou menos sérios, em função de seu traço de caráter imperante, no caso da Estrutura Neurótica.
O que pode refletir-se concretamente em condutas com rotinas compulsivas, emergências depressivas, vitimistas, de desesperação, evasivas-maníacas, de caos histriônico ou colocar-se como grande líder, salvador da humanidade.
Partido desta avaliação sistêmica e estrutural da situação atual, antes de propor as possíveis medidas de enfrentamento da crise e dos pós crise, devemos assumir que as consequências desta pandemia serão globais e imprevisíveis, a curto e médio prazo. Por isso, conforme escreveu Edgar Morin: “É preciso aprender a navegar em um oceano de incerteza, através de arquipélagos de certezas”. E, para nós, quais são estes arquipélagos? As leis gerais da Ecologia de Sistemas Humanos. Aplicando-as, poderemos navegar de forma mais segura e eficaz.
O ponto de partida que nos permitirá fazê-lo emerge da Teoria da Complexidade, do mencionado filósofo E. Morin, segundo a qual, para conhecer a realidade de um fenômeno, devemos detectar o maior número possível de variáveis que o fazem possível. Por isso, tampouco em esta crise será possível adotar posições baseadas em dar resposta a uma única variável. Como podemos observar em algumas posturas reativas, onde o Governo passa a ser a figura responsável por tudo que acontece; ou a postura de refugiar-se em ideações místicas, com cantos de sereia, pensando que tudo se irá solucionar pela força da natureza e que o ser humano vai mudar a partir de agora e tudo será diferente; nem, tampouco, a de fincar-se no mero pragmatismo mecanicista de pensar que tudo passa por soluções médicas e por uma vacina salvadora. A situação é complexa e, portanto, devemos buscar respostas que considerem as diversas variáveis que estão influindo nesta crise.
Podemos encontrar uma ajuda necessária para continuar este propósito adotando a posição aconselhada por W. Reich de “observação silenciosa”, que nos lembra, por sua vez, um princípio da física quântica, segundo a qual as particularidades do observador passam a ser uma variável mais a ter em conta na observação de qualquer fenômeno que se investigue. Nesta observação silenciosa, como primeiro passo, o próprio observador deve perguntar-se o que está sentindo e como está experimentando o que observa, assim como em que condições se encontra.
Se o aplicamos à situação atual, não tem muito sentido propor alternativas ou resolver os problemas dos demais, se previamente não me detenho, encarando-me e perguntando-me: “Como estou vivendo e sofrendo esta crise terrível?… Que sensações estou experimentando?… Como me sinto durante a noite e durante o dia?… Como estou junto aos outros?… Mais irritado(a), mais deprimido(a), ansioso(a), sonho mais ou menos, durmo ou não?… Como experimento o passar do tempo, a ausência do encontro social?” Nesta auto observação aprenderei e poderei administrar melhor meus recursos.
Um segundo passo será a observação do exterior. Temos que ratar de observar, sem preconceitos, sem categorias nem interpretações. Evitando o que Reich advertia: “receberemos a pressão da interpretação mecanicista das coisas”. Neste caso, por parte daqueles que ficam pendentes na descrição do dano do vírus: as mortes diárias, as medidas a tomar para não contagiar-se, a crise econômica que supõe a pandemia… tudo o que, ao não ser adequadamente contextualizado, aumentará o medo coletivo à pandemia. Evidentemente, esta é uma parte da realidade, porém esquecem-se de dar informação de outras variáveis, como a lógica imunológica individual e social, ou a influência que tem o maltrato que realizamos à natureza no surgimento desta pandemia. Ao mesmo tempo em que se reconhece que este coronavírus, junto com o resto de milhões de outros vírus, formam parte da Biodiversidade, e como tal, tem uma função vital, que devemos investigar e compreender, para neutralizar de uma forma ecológica a pandemia, e prevenir outras possíveis vindouras, em lugar de apresentá-lo como um inimigo invisível que é preciso destruir e vencer. Para tanto, é necessário facilitar os recursos necessários para equipes especializadas e científicas que seguem estas linhas de pesquisa, como Máximo Sandín ou Patrick Forterre.
Por sua vez, outros refletem apenas parte da realidade, ao descrever e enfatizar as capacidades próprias dos humanos, aqueles que preconizam uma resposta idealizada do ser humano frente a esta crise, dizendo que seremos capazes de aproveitar para mudar, para sermos solidários e recuperar uma certa consciência cósmica que promova um futuro mais sustentável. Porém, não devemos esquecer que tais capacidades do ser humano estão reduzidas e limitadas pela couraça e estrutura caracterial de cada qual, de modo que, uma coisa é querer e outra é poder. E não podemos esquecer que a crise econômica e social será global, mundial, e provocará tensões e conflitos, de modo a colocar à prova nossa capacidade potencial de sermos mais humanos, frente ao pânico do indivíduo encouraçado.
A partir desta posição de Observação Silenciosa, uma vez que tenhamos realizado as duas tarefas descritas, teremos acesso a uma maior compreensão do fenômeno (a crise pandêmica), o qual nos permitirá desenhar uma adequada estratégia de intervenção.
Outras duas ferramentas que nos serão necessárias para avançar nesta viagem são a Teoria do estresse (sofrimento) de Hans Selye, e a Inibição da ação de Henry Laborit ao estresse (melhor dito, distresse) da catástrofe, é preciso somar o que levamos no nosso interior, resultado dos medos experimentados em nossa história. Ambos preconizam respostas patológicas psicossomáticas descritas por Selye, que se agravam ao não poderem reagir frente a frustração que nos produz o empobrecimento, a doença, a imobilidade ou a falta de acompanhamento no luto próximo, enquanto que as razões de Estado parecem justificar a realidade que estamos vivendo, somando às patologias anteriores aquelas produzidas pelas alterações neuro-hormonais descritas por Laborit.
Aplicando ambas teorias à nossa situação atual, devemos estar preparados e alertar ao coletivo sanitário do aumento considerável de reações orgânicas psicossomáticas agudas e de crises emocionais e psicopatológicas, quadros agudos de ansiedade, ataques de pânico, depressão, etc., que irão aparecendo conforme avance a crise e comece a paulatina recuperação. De momento, nosso sistema defensivo (couraça caracterial) está contendo os processos de adoecimento porque “sabe” que não receberá atenção, evade da percepção e evita sua emergência. Porém, quando se deem as condições, a emergência será virulenta e aguda. É uma dinâmica similar a de um acidente de trânsito. Em um primeiro momento, recuperamos toda a normalidade possível, porém progressivamente aparece o trauma e as consequências do impacto.
Da mesma forma, junto à emergência de patologias individuais, conflitos de casal ou crises familiares, fruto do distresse da catástrofe, temos que prepararmo-nos para a crise econômica de magnitudes pós bélicas. Por mais que os governos tentem neutralizar seus efeitos, estas se irão produzir, e como costuma ocorrer, os mais vulneráveis serão os mais afetados.
Previnir e preparar-se para enfrentar este porvir supõe aceitar e aplicar outra de nossas principais leis: o fato de que apenas com a cooperação e o apoio mútuo, frente à tendência do egoísmos sobrevivente, é possível conter e superar estas situações extremas. Aplicando a etnologia, faz mais de um século que uma figura libertária, Pior Kropotkin, o traduziu em seu livro magistral O apoio mútuo. Não se trata de “cooperativismo”, senão de somar esforços, capacidades pessoais e gerir funcionalmente os recursos coletivos, para conseguir objetivos comuns.
Somos nós que devemos tomar as rédeas da situação, começando a desenvolver relações baseadas no respeito, no reconhecimento de funções e na gestão de recursos a partir da autogestão
Não é uma tarefa fácil, porque ninguém nos ensinou, ao contrário, aprendemos a funcionar na direção contrária e, em alguns casos, nossas experiências nas relações pessoais e sociais foram tão destrutivas que nossa tendência é a de nos defendermos do Outro, porque deixamos de diferenciar entre “iguais” e “contrários”. O que leva a dinâmicas de evitação, fuga, inclusive de traição, tal como está representados na figura de Judas nos Evangélios, que W. Reich analisa junto de outros exemplos, dentro do que define como reações de peste emocional. Não apenas me refiro a reações individuais, como também aos movimentos corporativistas de grandes companhias, as quais aproveitarão esta situação de crise e morte, como fazem os abutres e os vermes. Inclusive, dão-se as condições para o ressurgimento de líderes fascistas, que com suas mentiras, suas difamações aos representantes democráticos e suas promessas de segurança e controle, enfeitiçam as massas necessitadas de bálsamos curativos, e surja tentativas de uma nova ordem autoritária internacional. Tampouco isto deve nos surpreender, mas devemos preparar-nos para evitar o máximo possível suas repercussões.
Também é certo que é mencionado e proposto, nos discursos políticos de muitos governantes e líderes sociais a necessidade da cooperação entre partidos e nações, frente à crise mundial que estamos vivendo. Porém, sabemos pela história, que este conceito de cooperação, infelizmente, quer dizer, melhor dito, uma colaboração para repartir-se o bolo de uma forma mais ou menos equitativa entre os poderosos, deixado migalhas ao resto. A solidariedade do poder se pode medir pelo número de interesses ocultos para aproveitar- se das circunstâncias, desenhando a forma de fazê-lo em cada nova situação. Podem perder algo, porém, mais tarde, recuperarão o perdido com “juros”.
Por esse motivo, devemos aceitar os limites das políticas governamentais, apesar de podermos apoiar as ações e propostas de alguns líderes de esquerda e representantes políticos em favor dos mais vulneráveis, como está acontecendo no Estado Espanhol. Conscientes, por sua vez, de que se encontrarão coibidos pelos vermes da direita e pelos partidos fascistas, que representam os poderes existentes e com a falta de apoio dos demais partidos que continuarão com suas demandas por sempre, sem adaptarem-se à nova realidade e à busca conjunta de soluções para a magnitude da crise e a catástrofe que estamos vivendo. Muitas vezes não lembramos nem aprendemos da história, e o mecanismo de “compulsão à repetição” que Freud descreveu em relação à neurose individual é contemplado na dinâmica social, tão bem descrita no livro de vanguarda de W. Reich: Psicologia de Massas do Fascismo.
Reich foi um dos que, em um momento pós-bélico, retoma esse princípio libertário de cooperação e o integra aos seus conhecimentos caracteroanalíticos, defendendo um movimento social de “democracia do trabalho”, de autogestão em pequenos espaços sociais (que posteriormente se chamarão sistemas e ecossistemas): família, escola, coletivos, organizações. Locais onde é possível e realista começar a estabelecer atmosferas mais ecológicas e implementar os princípios de apoio mútuo e solidariedade. Sabendo que é precisamente nesses sistemas essenciais que eles sempre procuram apoiar e influenciar os estados de poder, impondo seus próprios valores retrógrados e interessados. Mas como sabemos que isso pode acontecer, tentaremos mudá-lo, porque são nossos espaços reais, aqueles que podemos gerenciar e naqueles em que não temos presença ativa -organizações burocráticas, municipais ou governamentais-, participaremos indiretamente, por meio de reivindicações funcionais e votos úteis.
Somos nós que devemos tomar as rédeas da situação, começando a desenvolver relações baseadas no respeito, no reconhecimento de funções e na gestão de recursos a partir da autogestão. Não esperemos que nos entreguem de mão beijada. Não esperemos que o governo nos dê um salário, nos dê uma casa, nos pague o aluguel, porque isso poderá fazer por um mês, dois, com alguns milhares de pessoas, mas não com todos. Sejamos nós, com nosso trabalho e com nossos recursos e capacidades, que devemos sentirnos capazes de fazê-lo. Ao mesmo tempo que transmitimos conhecimentos e denunciamos as fraudes e a desinformação dos usurários e daquel@s que se escondem atrás das lentes das promessas que nos chegarão.
Superemos a crise com nossa unidade, a partir da igualdade, da liberdade e da fraternidade, palavras regadas em uma época com o sangue de muitos e muitas. E com a cooperação e a prática de dinâmicas criativas, ecológicas e de autogestão em nossos coletivos ecologistas internacionais, ao mesmo tempo que reivindicamos ações políticas e mudanças legais, e apoiamos propostas válidas de políticos honestos e confiáveis, sabendo que a trama do poder econômico empregará seus mecanismos para freá-las.
Assim, portanto, “sejamos realistas, peçamos o impossível”, como se reivindicava no movimento francês de Maio de 68. Para que? Para poder trabalhar pelo possível, a partir dos nossos limites e do nosso ritmo ir avançando para poder constuir aquilo que sim, podemos: tentemos estabelecer relações humanas e ecológicas com nossos iguais; com nossos cônjuges, com nossos filhos e filhas desde o princípio da vida; nos espaços escolares e em nossos coletivos cotidianos. Criemos meios para poder ir transformando nossa percepção embrutecida, nosso constrangimento emocional e nossa rigidez caracterial em Estruturas Humanas, e das gerações futuras, com o objetivo que recuperem nossa capacidade de Viver e formar parte da “trama do Vivo” (Fritjof Capra).
Façamo-lo, “encarnando a vitalidade”, conceito que de maneira minuciosa pesquisou e definiu o grande neurocientista Antonio Varela. Isto é, encarnemos as impressões, ideias, sensações que podem estar em nossas cabeças, que podem ser muito bonitas e poéticas, mas podem não passar de meras ideias. Encarnemo-as sentindo a força que possuem quando as integramos com nosso ser, com nossos afetos, nossa sexualidade, nossa criatividade e nossa capacidade de amar. E juntemos nossos corpos e nossos seres, em uma rede forte e segura, que estabeleça a matriz necessária onde poder avançar com nossas capacidades, possibilidades e contribuições pelo caminho que antes de nós forjaram aqueles que viveram, lutaram e inclusive morreram por ele: o caminho que leva à Utopia.
Tudo isto recorda-me as palavras do escritor Ernesto Sábato, plasmadas em seu requintado libro Antes do fim, publicado em 1999: “Apenas aqueles que sejam capazes de encarnar a Utopia, estarão aptos para o combate decisivo, o de recuperar o quanto de humanidade tenhamos perdido”.
Saúde e Força,
Xavier Serrano Hortelano
Psicólogo especialista em Psicologia Clínica. Psicoterapeuta caracteroanalítico. Exerce sua atividade clínica em Valência (Espanha) desde 1985. Diretor da Escuela Española de Terapia Reichiana (Es.Te.R.)
El Puig (Valencia), 15 de Abril de 2020
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