“Coragem” vem do coração, “covardia” vem do rabo. É assim no latim. “Covarde” remonta a “cauda” ou “coda” (passando pelo francês antigo “couard”): o covarde é aquele que sai com o rabo entre as pernas. Já o corajoso age (ou fala, ou pensa) de acordo com o coração, “cor” em latim. Em 1974, a empresa japonesa Sanrio criou uma personagem de uma gata que parece uma pessoa, mas que não tem boca. Explicaram que é porque “ela fala com o coração” – Hello Kitty, corajosa. Não se deve pensar, porém, que “coragem” tem a ver com amor, só porque passa pelo coração. A palavra é antiga demais para isso. No Ocidente, foi por volta do século 12, com o surgimento do amor cortês, que o coração começou a ser associado aos sentimentos românticos, e mesmo assim levou muito tempo até que a ideia vingasse. O coração, para Aristóteles, escrevendo em 4 a.C., era o órgão mais importante do corpo, lar da inteligência, do movimento e das sensações. No século 3 d.C., em Roma, o médico Cláudio Galeno referia-se ao coração como “fonte de calor inato, pelo qual o animal como um todo é governado”, mas dava mais importância, de modo geral, ao fígado, de onde vinham os humores que definiam o temperamento (o sujeito podia ser melancólico, colérico, sanguíneo ou fleumático). É provável que o que entendemos hoje por “amor” fosse, na teoria de Galeno, uma paixão hepática. Depois de Galeno, levou cerca de 1.400 anos até que o médico britânico William Harvey descobrisse e divulgasse a função fisiológica do coração: bombear sangue. Em seu tratado “Sobre a circulação do sangue” (1628), escreve: “o coração se localiza entre a quarta e quinta costela. Portanto [é] a parte principal, pois está no lugar principal, como no centro de um círculo, na metade do corpo necessário”, e refere-se ao órgão como “rei” e “Sol” do ser humano. Ter coragem é estar concentrado, “com” + “centrum”, conectado ao coração. A covardia, por consequência, é desconcentração.Link para matériaAutora: Sofia Nestrovski