Antífon foi um filósofo grego que viveu supostamente no século quarto antes de cristo. Inimigo de Platão, incluído na ignóbil categoria de pré-socrático, foi um sofista, mestre da retórica e da persuasão. Atomista – corrente filosófica precursora do materialismo atual – ele é o pai fundador da psicanálise. Embora pelo que eu saiba, nos escritos de Freud não haja nenhuma citação a ele, é inegável seu paternalismo. Vejamos.
Como todo atomista, Antífon estava convencido de que tudo que existia era átomos em movimento. Toda a matéria era constituída por eles – unidade mínima e indivisível de real. Inclusive o corpo e a alma. O pensamento, que é uma atividade da alma, também nada mais é que átomos em movimentos. Ora, se tudo é átomos em movimento, não há diferença – no meu caso – entre defecar e pensar…
Bem, continuando, a felicidade consistia em uma vida plena de harmonia, de paz, sossego e tranquilidade. Para se chegar a esse estado era preciso que o pensamento se livrasse de suas contradições, de seus conflitos internos, de suas perturbações. O papel da alma seria evitar esse combate que muitas vezes travamos dentro de nós. Ora querido leitor, diga, você nunca passou por isso? Desejo mas não posso, quero mas não é meu, ardo de paixão, alguém chegou primeiro, a angústia de decidir entre a diversão e o repouso…Quando se vive nesse fluxo de frustrações, de castrações, de desejos enterrados e jamais alcançáveis, o corpo é quem sofre. Ficamos tristes, doentes e às vezes até morremos. Por que?
Para Antífon, alma e corpo eram arranjos atômicos. Os átomos do pensamento se arranjavam de duas formas: alguns na parte iluminada da alma, outros na parte escura. A parte iluminada é aquela que nos permite flagrar esses pensamentos – não era o termo de Antífon, mas é inegável a semelhança com a consciência. E a parte escura, aquela onde habitavam os pensamentos que não temos consciência. Ele afirmava que: 1) o sofrimento do homem advém da alma. 2) especificamente da parte obscurecida.
Ele então abre na cidade de Corinto, na Grécia, uma espécie de hospital para curar a alma das pessoas. Não havia sombra de dúvidas de que esta podia ser acessada e esse acesso se dava por meio da linguagem, do discurso, da fala. Na primeira parte do tratamento, Antífon deixava o paciente falar, sem roteiro prévio, livremente, o que viesse à cabeça dele. Depois iniciava uma espécie de terapia verbal para curá-lo. Falando, o paciente moveria os átomos da parte escurecida da alma e os levaria a parte iluminada. A linguagem cria representações – isto é, põe no lugar de uma coisa ausente, outra coisa – permitindo a identificação dos pensamentos causadores do sofrimento e sua cura. Outro artifício, pasmem, era a interpretação dos sonhos. Não que o sonho tivesse uma verdade em si mesmo, mas, regido por uma rede de causalidades, e que adquiria significado a partir da interpretação de Antífon. É interessante notar que os sofistas eram exímios mestres da oratória e do convencimento, habilidades essas que certamente facilitaram muito o trabalho dele.
Como todo sofista, Antífon foi execrado e condenado ao limbo do esquecimento pela filosofia oficial dominante. Seu único escrito, A arte de combater a tristeza, desapareceu e o pouco que sabe sobre sua biografia chegou-nos através de historiadores como Diógenes Laércio. No entanto, suas ideias permanecem curiosíssimas, para além da Contra-história da Filosofia.
Fonte: ANTÍFON E O HOSPITAL DA ALMA, de Fabio Ximenes